AS VIRTUDES DOS SALVOS EM CRISTO


Após a invocação a Cristo, Paulo retoma a exortação apostólica, que é reforçada pelo conteúdo daquele louvor. 
2:12 / Paulo enfatiza a obediência que caracterizou Cristo. A obediência dele deve servir de exemplo para seus discípulos. Paulo não tem dúvidas quanto à obediência dos crentes filipenses: nada há neles parecido com os coríntios, na situação refletida em 2 Coríntios 10:6, mas os filipenses sempre demonstraram obediência, não tanto a Paulo mas ao Senhor de quem ele era apóstolo. Se alguém julgar estranho que se mencione obediência numa carta de um amigo dirigida a amigos amados (NIV traz "meus amigos amados"), é preciso lembrar-se de que Paulo não era apenas o amigo dos filipenses; ele era o apóstolo de Jesus Cristo para eles. Nesta carta, Paulo não afirma sua autoridade apostólica, como o faz em outras (cf. 1 Coríntios 9:1, 2; 2 Coríntios 3:1-3); a autoridade dele nunca foi desafiada em Filipos. Entretanto, por toda a carta fica evidente a marca da autoridade apostólica. 
O apelo de Paulo aos filipenses é, então, este: de sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também efetuai a vossa salvação com temor e tremor. A obediência dos filipenses envolvia a tradução dos princípios do evangelho, em que haviam crido, em ação constante. O evangelho lhes trouxera salvação — sua própria salvação, como Paulo diz com muita ênfase, porque é dádiva gratuita de Deus para eles. Entretanto, ela precisa ser "efetuada" na vida prática, à vista da aproximação do "dia de Cristo," que lhes completará a salvação (neste sentido Paulo diz em Romanos 13:11 que a salvação dos crentes "está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé.") Neste contexto, Paulo não está exortando cada membro da igreja a empenhar-se na obra de sua salvação pessoal; Paulo está pensando na saúde e bem estar geral da igreja como um todo. Cada crente, e todos os crentes, num corpo só, precisam prestar atenção a este fato. 
A seriedade com que os crentes devem tratar deste assunto fica indicada na frase com temor e tremor. É evidente que a atitude recomendada pelo apóstolo aqui nada tem que ver com o terror servil; o apóstolo tranqüiliza os crentes de Roma, dizendo: "não recebestes o espírito de escravidão para outra vez estardes em temor" (Romanos 8:15). Trata-se, antes, de uma atitude de reverência e profundo respeito, na presença de Deus, de extrema sensibilidade à sua vontade, de consciência de nossa responsabilidade à vista de havermos de prestar contas perante o tribunal de Cristo. Os crentes devem reconhecer que em sua vida comunitária Deus está presente. Os pagãos que entravam nas reuniões dos crentes imediatamente se conscientizavam disso. "Deus está verdadeiramente entre vós" (1 Coríntios 14:25). É certo, pois, que os crentes deveriam ter muito maior consciência da presença divina. 
2:13 / Estando Paulo vivo e, de modo especial, quando ele estava em liberdade, podendo visitar os filipenses, seu interesse era a "salvação" deles. Entretanto, nem sempre Paulo estava por ali, disponível. Isto não significava, porém, que quando o apóstolo estivesse permanentemente ausente, os filipenses seriam abandonados a seus próprios recursos. Deus é o que opera em vós, diz Paulo — não em vós apenas individualmente, mas como coletividade. Pelo seu Espírito que em vós habita ele opera em vós tanto o querer como o efetuar — tanto o desejo de efetuar, segundo a sua boa vontade, como também o poder para efetuar. Trata-se de parte do ensino de Paulo a respeito do Espírito Santo, ainda que o Espírito não seja explicitamente mencionado aqui. Como Paulo enfatiza noutras passagens, o Espírito realiza o que a lei não consegue realizar: a lei podia dizer às pessoas o que deveriam fazer, mas não podia suprir-lhes o poder, nem mesmo a vontade de fazê-lo; o Espírito supre ambas as coisas (Romanos 8:3, 4; 2 Coríntios 3:4-6). Quando o Espírito toma a iniciativa de partilhar com os crentes o desejo e o poder para realizar a vontade de Deus, esse desejo e poder se lhes torna possessão pessoal, como dádiva de Deus, e os crentes obedecem à vontade de Deus "de coração" (Efésios 6:6).
A obediência filipense, ou resultado do "efetuai a vossa salvação", dependia em grande parte da persistência do amor e da harmonia na comunidade dos crentes. Se o amor e a harmonia se mantivessem, o testemunho dos filipenses perante o ambiente pagão seria eficaz. Paulo podia aguardar confiante a época em que ele seria convocado a fim de prestar contas de sua mordomia com respeito àquela igreja. 
2:14 / O propósito de Deus para seu povo só pode ser cumprido se este viver em unidade harmoniosa, fazendo todas as coisas sem murmurações nem contendas. Esta linguagem foi tomada de empréstimo das descrições feitas no AT das gerações de israelitas que atravessaram o deserto, sob a liderança de Moisés, após a libertação do Egito. Eles reclamavam reiteradamente das privações, dizendo que jamais deveriam ter deixado o Egito (Números 11:1-6; 14:1-4: 20:2; 21:4, 5). Moisés os descreveu como "geração perversa e depravada" (Deuteronômio 32:5, mencionado no v. 15 abaixo), "geração perversa, filhos sem lealdade" (Deuteronômio 32:20). 
2:15 / Os seguidores de Cristo não deveriam proceder como aquelas gerações israelitas, no deserto. Escrevendo a seus convertidos coríntios, Paulo precisou adverti-los com seriedade contra a imitação de um exemplo tão desastroso, de modo que viessem a incorrer no mesmo julgamento: não deveriam murmurar "como alguns deles murmuraram, e pereceram pelo anjo destruidor" (1 Coríntios 10:10). Todavia, ainda que uma admoestação para que se procure um modo de vida harmonioso, cheio de alegria, nunca é imprópria, Paulo sabia que seus amigos filipenses tinham um caráter melhor. Não eles, mas seus vizinhos pagãos é que podem ser descritos como geração corrompida e perversa. Os crentes filipenses devem estabelecer um exemplo melhor perante o mundo que os circunda, mostrando-se irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis, refletindo o caráter de seu Pai, povo contra cuja maneira de viver ninguém pode apontar um dedo acusador. Era isso que Jesus tinha em mente para seus discípulos, ao chamá-los de "sal da terra", exortando-os a que, mediante generoso altruísmo, se tornassem verdadeiros filhos do Pai celeste — que fossem perfeitos como Deus é perfeito (Mateus 5:13, 45, 48). Em contraste, as pessoas daquela geração do deserto foram repudiadas: "já não são seus filhos" (Deuteronômio 32:5). Jesus comparou seus seguidores não apenas ao sal mas também à "luz do mundo" (Mateus 5:14-16). Paulo apanha esta figura de linguagem e com ela encoraja os cristãos filipenses: resplandeceis como astros no mundo. A palavra que o apóstolo usa é "luminárias" (gr. phosteres)-, é usada na versão grega de Gênesis 1:14-19 quanto ao sol, à lua e às estrelas que o Criador espalhou pela abóbada celeste no quarto dia. Tais luminárias não brilham para si mesmas; brilham a fim de prover luz para o mundo todo. O mesmo deveria ser verdade a respeito do crente: ele vive para os outros. A igreja tem sido chamada de clube que existe para o benefício dos que não são sócios. 
No mundo: tradução literal do grego kosmos. Esta palavra foi usada em João 3:19 e 12:46, onde Jesus fala sobre ter vindo "ao mundo como luz" (cf. também 1:9; 8:12; 9:5). 
2:16 / Paulo muda, agora, deixando a linguagem figurada para usar a literal, e diz que a tarefa deles é reter a palavra da vida. Devem apresentar o evangelho pelo modo de vida, como também pelas palavras que pronunciam. Ninguém lhes aceitaria a mensagem com seriedade, se vivessem de forma contraditória à palavra. Entretanto, se vivessem de tal modo que seus vizinhos lhes perguntassem o que é que os capacitava a serem irrepreensíveis e sinceros no viver, os crentes filipenses poderiam então falar-lhes da palavra da vida que lhes havia revolucionado as atitudes e condutas. 
A palavra da vida é chamada assim porque proclama a verdadeira vida que se encontra em Cristo; ela nos fala de como "o justo viverá da fé" (Romanos 1:17; Gálatas 3:11, citando Hebreus 2:4). O evangelho que os apóstolos foram convocados para pregar compreende "a mensagem completa desta nova vida" (Atos 5:20) — expressão sinônima de "a palavra desta salvação" (Atos 13:26). Noutra passagem Paulo se refere a essa vida como "o dom gratuito de Deus" que "é a vida eterna, em Cristo Jesus nosso Senhor" (Romanos 6:23); "vida eterna" significa a vida na era vindoura (a da ressurreição), recebida e gozada pelos crentes, aqui e agora, mediante a participação deles na vida ressurreta de Cristo. 
Paulo punha ordem em sua vida à luz do dia de Cristo que está próximo; ele sabia que nesse dia sua obra apostólica seria investigada. Assim disse ele: "A mim pouco se me dá de ser julgado por vós, ou por algum tribunal humano" visto que, prossegue o apóstolo, "quem me julga é o Senhor" (1 Coríntios 4:3,4). Reiteradamente Paulo deixa bem claro que ele enfrentará o dia de Cristo com muita confiança, desde que seus convertidos permaneçam firmes e vivam de modo que tragam crédito ao evangelho que lhes pregou. Quando ele tiver de encontrar-se face a face com o Senhor, de quem recebeu um ministério no caminho de Damasco, sua esperança é que lhe será suficiente apontar para seus convertidos e convidar o Senhor para avaliar a qualidade de sua obra segundo a qualidade da vida daqueles a quem levou a Cristo. E assim é que Paulo e seus companheiros podem descrever os cristãos da Tessalônica desta maneira: "qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de glória na presença de nosso Senhor Jesus na sua vida? Não sois vós?" (1 Tessalonicenses 2:19). De modo semelhante, Paulo assegura a seus irmãos filipenses que, se eles mantiverem seu bom testemunho de Cristo, terão retido a palavra da vida, para que no dia de Cristo possa gloriar-me de não ter corrido nem trabalhado em vão. 
A palavra corrido é um exemplo da preferência de Paulo pela linguagem de atletismo a fim de descrever seu ministério. De modo semelhante, em Gálatas 2:2, ele declara: "para que de maneira alguma não corresse, ou não tivesse corrido em vão." (Veja-se também 1 Coríntios 9:24-27.) A palavra para corrido é a mesma para trabalho árduo, ou esforço extenuante; Paulo a usa outra vez em Gálatas 4:11a fim de expressar a 
idéia de trabalhar em vão: "Receio por vós, que de algum modo eu tenha trabalhado em vão para convosco." 
Quanto ao dia de Cristo vejam-se os comentários de 1:6, 10; quanto à associação de orgulho ou gloriar-me naquele dia, veja-se 1:26 com os comentários. 

A vida da igreja filipense é vista como uma oferenda a Deus: se falta alguma coisa para tornar essa oferenda perfeitamente aceitável, Paulo está disposto a dar a própria vida em sacrifício como a coisa faltante — para crédito dos filipenses, não seu. 
2:17 / Paulo retorna à sua atual situação. Aguarda um veredicto favorável, da parte do tribunal imperial, mas não pode ter certeza: o caso pode pender para o outro lado, e o apóstolo pode ser sentenciado à morte. Se assim for, a sentença poderia ser morte por decapitação. Como é que Paulo via essa perspectiva? 
A vida e o trabalho dos cristãos poderiam ser descritos como um sacrifício. Paulo exorta os crentes romanos a apresentarem seus "corpos como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus" (Romanos 12:1). A oferta monetária dos filipenses a Paulo é comparada a "cheiro suave, como sacrifício agradável e aprazível a Deus" (Filipenses 4:18). Então, se a vida de fé for oferecida em sacrifício a Deus, poderia algo ser acrescentado a fim de garantir sua aceitação? Quando se oferecia um sacrifício no templo de Jerusalém, como, por exemplo, uma oferta queimada, com a acompanhante oferenda de cereais, podia-se fazer uma oferta de bebida, ou libação, isto é, vinho ou azeite derramado sobre o sacrifício queimado, ou ao seu lado. Este derramamento era feito no final do sacrifício, e o completava. E, ainda que seja oferecido por libação, diz Paulo, permitam-me ser derramado como oferta de bebida sobre o sacrifício e serviço da vossa fé. Quando Paulo afirma: ainda que seja oferecido por libação (gr. ei kai spendomai), ele não está pensando numa libação literal de sangue, como a que se fazia em alguns cultos pagãos (cf. Salmos 16:4: "suas libações de sangue"); ele está pensando na entrega fervorosa de sua vida a Deus. 
Carlos Wesley, em versos memoráveis, ora para que sua vida venha a ser um sacrifício perpétuo, aceso no "altar indigno de meu coração", pela chama do Espírito Santo: 
Pronto estou para fazer toda a tua perfeita vontade, 
Repete meus atos de fé e de amor 
Até que a morte venha selar tuas misericórdias sem fim, 
E completar meu sacrifício. 
As figuras de linguagem de Paulo são semelhantes, com uma diferença material: a morte dele completaria o sacrifício dos filipenses . O martírio coroaria sua vida e seu apostolado, mas Paulo deseja que esse sacrifício seja colocado como crédito aos filipenses e não a seu próprio. Se assim for, "nada há aqui para lágrimas "; esta perspectiva leva o apóstolo a dizer: eu folgo e me regozijo com todos vós, e a mesma perspectiva deveria levá-los a dizer o mesmo. 
2:18 / Paulo havia dito antes que esperava ser libertado e, assim, aumentar-lhes o "progresso e gozo na fé" (1:25). Contudo, os filipenses devem regozijar-se da mesma forma, se as coisas saírem de modo diferente. Seja qual for o 
resultado do julgamento, trará honra ao nome de Cristo (1:20), o que constituiria motivo para que os filipenses se regozijassem, ainda que tal honra sobreviesse mediante a morte de Paulo, e não pela sua libertação e sobrevivência. E por isso, diz Paulo, vós também regozijai-vos e alegrai-vos comigo.

F.F. BRUCE -  Comentário Biblico de Filipenses
Compartilhar Google Plus

Autor MOISÉS DUARTE

    Blogger Comentario
    Facebook Comentario

0 Comentários:

Postar um comentário

DEIXE AQUI O SEU COMENTÁRIO, E E-MAIL, QUE SEMPRE QUE POSSÍVEL EU RETORNAREI A SUA MENSAGEM. QUE DEUS TE ABENÇOE

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial