O sofrimento é tido como absolutamente inevitável, em todo o NT, especialmente nas cartas de Paulo, como algo que ocorre na existência dos cristãos neste mundo. Não há nada de surpreendente, aqui: Cristo havia sofrido, e seus seguidores — os que estavam "em Cristo" — não deveriam esperar algo diferente. O próprio Paulo em toda sua carreira de apóstolo soube o que significava sofrer por amor de Cristo; e ele preparou seus convertidos para sofrimentos semelhantes. Na verdade, ele os estimulou mediante a convicção de que o sofrimento por amor de Cristo era prova da genuinidade da fé.
Entretanto, o desejo ansioso de Paulo em relação aos filipenses era que eles, bem como seus demais convertidos, se portassem dignamente conforme o evangelho de Cristo. Desde que a nova existência deles se baseava no evangelho de Cristo, a conduta deles deveria estar alinhada com a de Cristo (cf. 2:5). Paulo usa um verbo, aqui, que significa estritamente "viver como cidadãos", estando relacionado com o que o apóstolo diz mais tarde acerca da posição dos crentes como "cidadãos dos céus" (3:20).
Uma vida vivida dignamente conforme o evangelho de Cristo estaria em perfeita harmonia. Visto que os crentes partilham a vida comum com Cristo, devem mover-se firmes em um mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo. Só assim podem os crentes recomendar o evangelho tanto por palavra como por ação. O testemunho dos filipenses exigia esforço corajoso e unificado; precisavam lutar lado a lado pela fé do evangelho. Haviam crido no evangelho e, agora, o objetivo de seus testemunhos era levar outros à mesma fé. Deveriam contar com oposição poderosa e incessante, na consecução de seus objetivos, razão por que deles se exigia ação perseverante.
A presença da oposição, assegura-lhes Paulo, demonstra que eles estão no caminho certo, no testemunho ativo do evangelho. É sinal de salvação para eles, e sinal de perdição para seus adversários: Isso para eles, na verdade, é sinal de destruição, mas para vós de salvação. Deus é o autor do evangelho: os que o defendem podem esperar, portanto, livramento e vitória da parte do Senhor, tão seguramente como os que o combatem podem esperar seu julgamento. O mesmo pensamento encontra expressão bem desenvolvida em 2 Tessalonicenses 1:5-10.
Lutai pelo evangelho sem serdes intimidados pelos adversários, exorta Paulo (usando um verbo que se aplica de modo específico a cavalos assustados); enfrentai-os com persistência, unidos, pois isso para eles, na verdade, é sinal de destruição, sinal de que estão errados e não poderão subsistir contra vós. O próprio Paulo havia sido perseguidor, no passado, e podia lembrar-se da persistência daqueles a quem atacava. Se naquela época aquela persistência lhe parecera mera obstinação, após sua conversão, porém, ele podia olhar para trás e apreciá-la pelo que era na verdade — uma evidência do poder de Cristo capacitando os cristãos a fim de manterem a fé imaculada, e a evidência de que ele próprio estava, a despeito de sua boa consciência, travando uma batalha já perdida contra Deus.
A preocupação de Paulo quanto à unidade de espírito e consideração mútua entre os membros da igreja filipense não implica necessariamente que aqueles crentes estivessem numa atmosfera de dissensão. Dois membros são especificados pelos nomes e recebem a exortação de entrarem em acordo, em 4:2, o que poderia sugerir (a menos que 4:2 pertença a uma carta originalmente separada) que era caso excepcional de conflito. Não sabemos o que Epafrodito disse a Paulo concernente ao estado da igreja, mas por essa época o apóstolo havia detetado evidências suficientes de mau relacionamento e ambição egoística em alguns setores da igreja em Roma, capazes de induzi-lo a ficar ansioso: que nada disso se manifestasse na igreja de Filipos.
Atente... para o que é dos outros, isto é, ter interesse em proteger os interesses alheios faz parte dos alicerces da ética cristã. "Levai as
cargas uns dos outros," exorta Paulo em outra carta, "e assim cumprireis a lei de Cristo" (Gálatas 6:2) — lei que Cristo não apenas estabeleceu, mas exemplificou em si mesmo. O assunto é explorado mais amplamente em Romanos 15:1-3: "Mas, nós que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos. Portanto, cada um de nós agrade ao seu próximo no que é bom para edificação. Pois, também Cristo não agradou a si mesmo." O exemplo de Cristo é sempre o argumento supremo de Paulo na exortação ética, principalmente quando trata do interesse altruísta pelo bem-estar do próximo. Se o exemplo de Cristo deve ser seguido, é melhor, então, manter maior interesse pelos direitos dos outros e pelos nossos deveres, do que cuidar principalmente de nossos direitos e dos deveres dos outros. Quando alguns membros da igreja coríntia firmaram o propósito de defender seus interesses pessoais com tanta avidez que recorreram a juizes pagãos para receberem indenizações da parte de seus irmãos cristãos, Paulo lhes disse que preferir sofrer injustiças sem ficar preocupado com reparações legais, e sem envolver o nome de Cristo num litígio público, é trilhar o caminho do Senhor (1 Coríntios 6:7).
Fonte: F. F. Bruce - Comentário Biblico de Filipenses
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